terça-feira, 19 de outubro de 2010

Política externa no rumo certo

O famoso complexo de vira-lata, como é chamado o sentimento de inferioridade do brasileiro em relação aos estrangeiros, tem origens muito antigas e profundas. Até 1933, jamais alguém se atreveu a defender a tese de que a miscigenação é a nossa maior força (o que foi feito por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala). Ao contrário, o brasileiro se sentia condenado a uma condição inferior por ser fruto da mistura de três raças.

O conceito de raça foi colocado em xeque e substituído pelo de cultura no estudo das particularidades dos povos, mas o complexo de vira-lata continuou existindo: nossa cultura é híbrida, resultado da mistura de três outras culturas e, portanto, somos inferiores. Felizmente, a semente plantada por Gilberto Freyre conseguiu germinar, e hoje em dia o brasileiro se vê ora como inferior, ora como superior devido a sua condição cultural. As mesmas pessoas que num dado momento estão falando mal do Brasil repentinamente demonstram orgulho por ser brasileiras, basta mudar o assunto.

O fato é que a colonização portuguesa deixou marcas profundas em nossa cultura, sendo uma delas a admiração pelo estrangeiro, fruto do descaso da metrópole pela colônia, do contraste entre a pobreza dos mineiros que extraíam o ouro das Minas Gerais com o luxo dos palácios de Lisboa, bem como da proibição de atividade econômica voltada para o mercado interno no Brasil, que nos obrigava a importar tudo.

Dessa forma, aprendemos a preferir o que vem de fora, e a falta de universidades no país obrigava os jovens brasileiros a irem estudar na Europa, voltando de lá não apenas com diploma, mas também com outra visão de mundo, muitas vezes inadequada à realidade brasileira.


A arquitetura das capitais brasileiras de até um século atrás buscava imitar a européia. Pior: a elite brasileira, após passear bobamente pela Europa e não entender nada daquilo, vinha para o Brasil com o desejo de ter uma casa com telhado como os de Paris, colunas como as da Itália, janelas como as da Alemanha e assim predominou, na arquitetura das capitais brasileiras, um estilo eclético que nada diz a respeito de nossa identidade cultural a não ser o fato de termos sido docilmente colonizados. Somente nas fazendas, vilas e cidades provincianas, geralmente afastadas do mar desenvolveram uma arquitetura que expressava a realidade local: a arquitetura colonial brasileira, desenvolvida pela necessidade de se construir usando o material que havia disponível. E assim nasceram Ouro Preto, São Luís do Paraitinga, Paraty e tantas outras cidades que concentram nosso genuíno patrimônio arquitetônico.



Com a ascensão dos EUA à posição de potência hegemônica, a elite brasileira, cansada de passear em Paris, passou a visitar Nova York. A escola brasileira, inspirada no modelo francês, foi aos poucos sofrendo mudanças para se assemelhar ao modelo ianque. A política externa brasileira, voltada para a Europa, se voltou para os EUA. Resumindo, o Brasil sempre buscou se espelhar em um país, ou um grupo de países, estrangeiro, e implantar aqui soluções estrangeiras inadequadas à nossa realidade, o que também não é novidade em terras tupiniquins, visto que já no período colonial, sucessivas tentativas de aplicar técnicas agrícolas euroṕeias no Brasil fracassaram, e os melhores resultados foram obtidos a partir do uso de técnicas indígenas de cultivo.

Também no campo das políticas públicas sempre buscamos nos espelhar no estrangeiro: os políticos paulistas de um século atrás sonhavam transformar São Paulo em uma Paris tropical, assim como os de hoje querem transformá-la em uma nova Nova Iorque. As publicações sociológicas sobre o Brasil até a década de 1930, quase sempre escritas por brasileiros que moraram na Europa ou nos EUA, comparavam nosso país aos, à época, ditos "civilizados". O Brasil, historicamente, sempre desprezou a melhor característica do brasileiro, que é a capacidade de resolver problemas propondo soluções inovadoras, e sempre olhou para fora, importando soluções para seus problemas e se preocupando mais em vender comida para os gringos do que para seus próprios filhos.

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, atentava sobre as vantagens de se comparar a realidade brasileira com a dos países vizinhos, cujo clima é semelhante ao nosso e sua cultura, também de origem ibérica, muito mais próxima da nossa. Assim, a integração (não apenas econômica, mas também cultural) com a américa latina seria o melhor caminho para resolvermos nossos problemas e ganharmos projeção internacional, mas, como disse Darcy Ribeiro sobre os governantes do Brasil no ato contra a privatização da Vale (http://vermelhosobreazul.blogspot.com/2010/10/as-licoes-dos-mestres.html): "Eles são bisonhos, são jovens com a cabeça feita lá fora. Eles não têm nada de patriótico, eles não têm compromisso conosco. É gente que nunca fez nada na vida e nem é provável que venha a fazer. Essa gente quer vender, quer entregar o Brasil porque acha melhor. Essa gente usa o Brasil, usa a Nação, para alcançar os seus objetivos.".

Pois é exatamente assim que agem os políticos conservadores, que querem manter em pleno século 21 a mesma forma de governar que nunca vai dar certo: é gente "com a cabeça feita lá fora" que não percebe que priorizar acordos com as potências hegemônicas é uma forma mais recente de pacto colonial. Não percebe que as soluções trazidas de fora só servem para defender interesses externos. Não percebem que ninguém conhece o Brasil melhor do que os brasileiros. Dizia Mário de Andrade, no Manifesto Antropófago: "esquecemos o gavião de penacho". Hoje finalmente nos lembramos dele: o país está dando grande importância ao mercado interno e buscando novos mercados fora das grandes potências. Descobrimos que a América do Sul existe. É somente a partir de uma maior integração sul-americana que o Brasil poderá se consolidar como uma liderança regional e ganhar a tão sonhada projeção internacional.

Eis a diferença fundamental entre a política externa do atual governo, de Lula, e a do governo anterior, de FHC: O Brasil de agora está aprendendo a olhar para si mesmo e para seus vizinhos. Descobriu-se. Não quer mais ficar sobre a tutela dos gringos, e sim seguir sua vocação. É hora de crescer.

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