terça-feira, 29 de abril de 2014

O racismo nosso de cada dia ou nós temos bananas

Como está todo mundo divulgando fotos de bananas e falando sobre racismo, vou dar também meus pitacos compartilhando algumas experiências que tive e que considero importantes para entender as reais dimensões do racismo no Brasil, e porque comer bananas não vai acabar com ele.

O primeiro causo que tenho para contar foi em 2012, quando participei do Congresso Mundial de Esperanto (UK) e do Congresso Internacional da Juventude (IJK) no Vietnã. Lá conheci um jovem negro do Burundi, e após os congressos viajamos juntos para Sa Pa, vilarejo no norte do país. Há poucos negros no Vietnã, e em Sa Pa ele era o único. Estávamos caminhando pela rua quando uma criança segurou o braço dele. Ele parou, ficou olhando para a garotinha, ela o olhava fixamente, esfregava o braço dele e tornava a olhá-lo com cara de interrogação. Os olhos da garota expressavam aquela curiosidade inocente das crianças, uma busca por respostas, como se ela quisesse perguntar "por que você é assim"? Não havia racismo, apenas uma curiosidade sobre as diferenças, o desejo de entender, conhecer. Aqui no Brasil vemos pessoas negras todos os dias, mas já na infância nos ensinam que é errado conviver com negros, e é aí que o racismo começa, nenhum de nós sabe a razão de, no dia-a-dia, tratar negros e brancos de maneira diferente, apenas herdamos isso de nossos antepassados.

Outra experiência aconteceu em Reykjavik, capital da Islândia, onde estive para participar do UK. O congresso era num centro de convenções, e entre ele e o local onde fiquei alojado havia um cemitério cercado por uma mureta de meio metro de altura, permitindo ver o que acontecia lá dentro. Certa manhã vi um grupo de moças islandesas conversando dentro do cemitério com vassouras na mão, moças bonitas, jovens, loiras e ruivas, todas de pele bem clara e olhos azuis. Estranhei: o que estariam fazendo em um cemitério de manhã bem cedo? Até pensei ingenuamente ser algum tipo de ritual religioso maluco quando notel que eram jardineiras e estavam arrancando mato do chão e dos túmulos, fazendo um tipo de serviço que no Brasil é quase exclusividade da população negra. Continuei meu caminho imerso em pensamentos: agora eu tinha uma noção bem melhor da dimensão do racismo no Brasil: aqui o trabalho se divide em duas categorias: uma é para os ricos, em funções que pagam os melhores salários e dão mais prestígio social, a outra é exclusividade dos pobres, especialmente dos negros, são os garis, os estivadores, os lixeiros, todo o tipo de trabalho que nossa sociedade associa ao fracasso, e por mais que trabalhe duro para viver dignamente é vítima de preconceito por sua profissão. Lembram do Boris Casoy comentando sobre o "feliz ano novo" dos garis? É isso.

Meu último relato tem novamente a ver com o Vietnã. Durante uma conversa com uma amiga vietnamita, comentei sobre o racismo no Brasil e ela me perguntou porque o racismo existe. Expliquei sobre os séculos de escravidão, as teorias científicas que hierarquizavam as raças, etc. Ela conseguiu entender superficialmente que isso é fruto de um processo histórico de exclusão e negligência de direitos, mas está muito longe de conhecer a real dimensão do problema.

Espero que os relatos acima sirvam para estimular a reflexão de vocês, pois o racismo vai muito além de jogar uma banana para o jogador de futebol ou chamar alguém de macaco, ele se esconde naqueles cantinhos onde a gente não procura: somos racistas sem perceber: ao ver um negro engravatado supomos que trabalha como segurança, já um branco engravatado é alguém importante.