Como
está todo mundo divulgando fotos de bananas e falando sobre racismo, vou
dar também meus pitacos compartilhando algumas experiências que tive e
que considero importantes para entender as reais dimensões do racismo no
Brasil, e porque comer bananas não vai acabar com ele.
O primeiro causo que tenho para contar foi em 2012, quando participei do Congresso Mundial de Esperanto (UK) e do Congresso
Internacional da Juventude (IJK) no Vietnã. Lá conheci um jovem negro
do Burundi, e após os congressos viajamos juntos para Sa Pa, vilarejo no
norte do país. Há poucos negros no Vietnã, e em Sa Pa ele era o único.
Estávamos caminhando pela rua quando uma criança segurou o braço dele.
Ele parou, ficou olhando para a garotinha, ela o olhava fixamente,
esfregava o braço dele e tornava a olhá-lo com cara de interrogação. Os
olhos da garota expressavam aquela curiosidade inocente das crianças,
uma busca por respostas, como se ela quisesse perguntar "por que você é
assim"? Não havia racismo, apenas uma curiosidade sobre as diferenças, o
desejo de entender, conhecer. Aqui no Brasil vemos pessoas negras todos
os dias, mas já na infância nos ensinam que é errado conviver com
negros, e é aí que o racismo começa, nenhum de nós sabe a razão de, no
dia-a-dia, tratar negros e brancos de maneira diferente, apenas herdamos
isso de nossos antepassados.
Outra experiência aconteceu em
Reykjavik, capital da Islândia, onde estive para participar do UK. O
congresso era num centro de convenções, e entre ele e o local onde
fiquei alojado havia um cemitério cercado por uma mureta de meio metro
de altura, permitindo ver o que acontecia lá dentro. Certa manhã vi um
grupo de moças islandesas conversando dentro do cemitério com vassouras
na mão, moças bonitas, jovens, loiras e ruivas, todas de pele bem clara e
olhos azuis. Estranhei: o que estariam fazendo em um cemitério de manhã
bem cedo? Até pensei ingenuamente ser algum tipo de ritual religioso
maluco quando notel que eram jardineiras e estavam arrancando mato do
chão e dos túmulos, fazendo um tipo de serviço que no Brasil é quase
exclusividade da população negra. Continuei meu caminho imerso em
pensamentos: agora eu tinha uma noção bem melhor da dimensão do racismo
no Brasil: aqui o trabalho se divide em duas categorias: uma é para os
ricos, em funções que pagam os melhores salários e dão mais prestígio
social, a outra é exclusividade dos pobres, especialmente dos negros,
são os garis, os estivadores, os lixeiros, todo o tipo de trabalho que
nossa sociedade associa ao fracasso, e por mais que trabalhe duro para
viver dignamente é vítima de preconceito por sua profissão. Lembram do
Boris Casoy comentando sobre o "feliz ano novo" dos garis? É isso.
Meu último relato tem novamente a ver com o Vietnã. Durante uma
conversa com uma amiga vietnamita, comentei sobre o racismo no Brasil e
ela me perguntou porque o racismo existe. Expliquei sobre os séculos de
escravidão, as teorias científicas que hierarquizavam as raças, etc. Ela
conseguiu entender superficialmente que isso é fruto de um processo
histórico de exclusão e negligência de direitos, mas está muito longe de
conhecer a real dimensão do problema.
Espero que os relatos
acima sirvam para estimular a reflexão de vocês, pois o racismo vai
muito além de jogar uma banana para o jogador de futebol ou chamar
alguém de macaco, ele se esconde naqueles cantinhos onde a gente não
procura: somos racistas sem perceber: ao ver um negro engravatado
supomos que trabalha como segurança, já um branco engravatado é alguém
importante.
Um blog que se destina à discutir a realidade brasileira como fruto de um processo histórico. Nossa visão política é de esquerda. Política é um tema que envolve paixões pessoais e leva as pessoas á cegueira ideológica e ao fanatismo. Como conseqüência, abundam na internet locais onde se discute política à base de xingamentos e trocas de acusações infundadas. Se seu desejo é esse, por favor, vá fazer isso em outro lugar.