sábado, 23 de outubro de 2010

C&T e ensino superior.

Alguém já viu uma superpotência não ter tecnologia de ponta? Em algum momento da história da humanidade, um país tecnologicamente menos evoluído conseguiu ter grande influência diplomática?

Pois bem, durante o governo FHC, a política para pesquisa científica se baseava na idéia de que importar tecnologia seria mais barato do que desenvolvê-la. Não está errado. De fato, considerando o atraso tecnológico do Brasil em algumas áreas, a importação de tecnologias estrangeiras se torna mais viável economicamente. Mas há outras questões a ser discutidas além do custo, as quais foram, no entanto, desprezadas por um governo que só se preocupou com balanço de caixa, sem atentar a questões estratégicas.

Qualquer país promissor investe pesado em educação, ciência e tecnologia. Sem isso nenhum país avança. Já me referi, em outra ocasião, ao fato de que as empresas brasileiras mais competitivas no mercado internacional são justamente aquelas que possuem as mais modernas tecnologias em seus respectivos setores, como é o caso da Embraer e da Petrobrás. Enquanto isso, muitas empresas brasileiras penam para competir com concorrentes estrangeiras que possuem tecnologia mais avançada e estão, portanto, mais preparadas para oferecer produtos diferenciados ou preços melhores a seus clientes.

Aliás, a famosa "fuga de cérebros" existente no Brasil foi justamente causada por essa lógica de fazer pesquisa da forma mais barata: os militares, quando decidiram investir pesado em pesquisa científica durante o período do milagre econômico brasileiro, quiseram fazer isso da forma mais barata possível (e dinheiro não faltava): criando cursos de pós-graduação, para que os pós-graduandos das universidades fizessem pesquisa a preços módicos (uma bolsa que é uma merreca comparada ao salário de um cientista) e sem direitos trabalhistas. A conseqüência disso é que o país passou a formar uma grande quantidade de doutores extremamente qualificados sem ter uma indústria de base tecnológica para absorvê-los, ao contrário do que acontece nos países hegemônicos e em alguns emergentes.

Conceber o setor de C&T como um gasto supérfluo e não como investimento necessário para o desenvolvimento do país é errôneo. Não podemos ficar a mercê de tecnologia externa, cuja importação pode nos ser negada a qualquer momento devido a algum conflito diplomático ou mesmo qualquer desculpinha de algum governo ou megaempresário estrangeiro.

Creio que o PT compreendeu isto, e durante o governo Lula o investimento em ciência e tecnologia aumentou consideravelmente, com mais verbas para o Ministério da Ciência e Tecnologia. As bolsas de iniciação científica e de pós-graduação não só aumentaram em quantidade, mas também seus valores, congelados desde 1995 (quando FHC reduziu o valor das bolsas ao invés de aumentá-lo), foram aumentados. Continuam baixos, mas não tão baixos como antes.

Foram criadas 14 novas universidades federais em locais estratégicos. O Vale do Jequitinhonha, por exemplo, uma das regiões mais pobres do país, agora tem universidade federal. E não seria esse o melhor caminho de desenvolver aquela região? Moro em um pólo tecnológico e sei bem como a existência de mão-de-obra bem qualificada e de pesquisa científica atraem empresas, gerando empregos e renda para a região. Além disso, é fácil identificar, dentro das secretarias municipais de cidades próximas a universidades públicas, diversos docentes dessas instituições ocupando cargos-chave no planejamento de políticas públicas. Quem ganha é o povo.

E por falar nas federais, conheço diversos pesquisadores que dependiam de bolsas para viver e estavam inseguros quanto a seu futuro profissional, visto que as universidades não estavam contratando, embora tivessem déficit no número de docentes. Vi pesquisadores talentosos abandonarem a carreira para ocupar um cargo baixo na burocracia ou em alguma empresa, porque precisavam de emprego e não encontravam possibilidades. De repente vi, no meu instituto, o governo federal passar a peneira e levar embora diversos peixes graúdos: excelentes pesquisadores que hoje são docentes de universidades federais.

Enquanto isso, o primeiro ato de Serra ao assumir o governo paulista foi criar uma nova secretaria de maneira ilegal: não podendo criar uma nova secretaria sem autorização dos deputados estaduais, ele renomeou a Secretaria de Turismo para Secretaria de Ensino Superior, e esta deixou de tratar de turismo para tratar de outra área, para a qual seus funcionários não tinham a devida qualificação, já que eram todos especialistas em turismo. Enfim, uma secretaria para inglês ver, de turismo, em termos legais, mas de ensino superior na prática. Esse ato é preocupante porque desvincula as atividades de ensino, pesquisa e extensão, bem como cria um abismo ainda maior entre as políticas educacionais para os níveis fundamental, médio e superior.

Serra se vangloria de ter ampliado o ensino técnico em SP. Ampliou sim, mas naquela comcepção típica do PSDB: um profissional é formado a partir de giz e lousa. As escolas técnicas paulistas estão em situação cada vez mais precária financeiramente, tiveram aumento de alunos, mas não de verbas, há, em muitas delas, falta de professores, além de muitas não terem laboratórios, ou não terem materiais, ou mesmo estarem impossibilitadas de substituir ou modernizar equipamentos quebrados ou obsoletos. Outro detalhe importante é a extinção dos CEFAMs (Centros Estaduais de Formação e Aprimoramento do Magistério), transformados em escolas técnicas. Onde os professores da rede pública farão cursos de aprimoramento agora? Por fim, o mais grave: salas de aula de escolas estaduais comuns estão sendo usadas para a educação técnica, sem os investimentos necessários para se adequar o espaço à realidade de um outro tipo de formação (aliás, o que são as salas-ambiente das escolas estaduais paulistas? Um bando de cartazes colados na parede? São salas-ambiente para inglês ver).

Reconheço que, a nível federal, em certos aspectos o avanço não foi muito grande: o valor de uma bolsa de mestrado, por exemplo, é inadequado ao custo de vida de diversas cidades brasileiras. Além disso, as universidades federais continuam tendo déficit de docentes e pouca verba. Porém, se certos problemas não foram solucionados, pelo menos seus efeitos negativos foram minimizados e se caminha no rumo certo, enquanto em SP houve retrocesso: universidades estaduais com orçamentos mais apertados, menos docentes e ameaças a sua autonomia. Serra foi o primeiro governador, desde Maluf, a nomear um reitor diferente daquele indicado pela comunidade acadêmica para a reitoria da USP, mesmo universidade que, no ano passado, foi atacada pela tropa de choque de Serra com bombas e cacetetes, agredindo alunos, funcionários e docentes. E ele ainda se considera democrático. Talvez, para ele, democracia signifique impor obediência a todos, ainda que pelo uso da força.

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