domingo, 24 de outubro de 2010

A farsa do superministro da saúde

Há quem diga que Serra foi um excelente ministro da saúde, mito que eu pretendo colocar em xeque com estes breves apontamentos.

Primeiramente, o governo FHC teve dois ministros da saúde. O primeiro deles foi o Dr. Adib Jatene, médico competente e profundo conhecedor dos problemas da saúde pública no Brasil. Excelente ministro do qual poucos se recordam. O governo Itamar Franco já havia controlado a dengue no país, mas ele, percebendo que a continuidade das políticas preventivas era necessária para impedir uma nova epidemia (como aquela gravíssima ocorrida no início dos anos 90), formou um grupo de trabalho para discutir formas mais eficazes de controlar o Aedes aegypt.

Também em sua gestão, a exemplo do que já vinha sendo feito em gestões anteriores, o Dr. Adib Jatene manteve a questão da AIDS como um tema central, incentivando o uso da camisinha, bem como sua distribuição gratuita nos postos de saúde, e estudou formas de dar tratamento aos aidéticos pelo SUS, visto que os medicamentos eram muito caros.

Contudo, o orçamento era apertado e a saúde pública estava um caos. Foi então que ele batalhou arduamente com o congresso nacional para aprovar a CPMF, imposto provisório que iria triplicar o orçamento do ministério, permitindo grandes avanços na recuperação do sistema público de saúde. Obteve sucesso, mas aí algo estranho aconteceu: o presidente FHC o substituiu por José Serra, para que este colhesse os frutos do trabalho do Dr. Jatene, obrigado a deixar o ministério com baixa aprovação popular por ser associado ao novo imposto. O novo ministro, cuja imagem até então estava preservada, pegou a parte fácil do trabalho: orçamento triplicado, vários projetos importantes da área de saúde tramitando no congresso, dentre eles a lei dos genéricos, que Serra só precisou assinar e sair por aí dizendo que era seu. Enquanto seu antecessor ficou conhecido como "o ministro da CPMF", Serra recebeu o título de "ministro dos genéricos".

Mesmo com um orçamento triplicado, Serra não se conteve: queria cortar gastos em alguma coisa e cancelou adivinha o quê? O plano do dr. Jatene para controlar o Aedes Aegypt. Resultado: na virada do milênio a dengue voltou com força total. A febre amarela demorou um pouco mais e acabou chegando no início do governo Lula, mas aí, dizem os tucanos, já não é culpa de Serra, mas, como ele próprio costuma dizer, "coisa do PT".

Dar tratamento aos aidéticos com tanta verba assim foi fácil. Os genéricos já estavam aprovados no congresso. Jatene já tinha deixado tudo pronto. Então Serra resolveu fazer algo de seu pela saúde pública, afinal, tinha dinheiro para gastar e a saúde pública necessitava de ambulâncias. Então passou a distribuir ambulâncias Brasil afora até o fim de seu mandato, atividade que continuou durante algum tempo no governo Lula. Mas, quando o esquema de compra dessas ambulâncias foi revelado, Serra, modesto, não fez questão de ter sua autoria reconhecida, afinal, tendo se apoderado do trabalho do ministro anterior, seria de bom tom dar os créditos de seu trabalho a seu sucessor. Nada mais justo.

Outro mérito de Serra foi ter se tornado o primeiro ministro da saúde a assinar uma lei permitindo o aborto em hospitais públicos, sem se importar com a reação negativa por parte de igrejas cristãs, como prova este discurso inflamado do finado padre Léo na Canção Nova: http://www.youtube.com/watch?v=EdNJwnN_vV0&feature=fvst. Interessante perceber a coerência dessas igrejas que, pregando o perdão, souberam perdoar Serra e hoje apóiam sua candidatura.

Por fim, Serra se gaba de ter feito, como governador de SP, 300 hospitais. E reclama que o governo Lula não construiu hospital nenhum. Quantos hospitais o governo FHC construiu, mesmo com toda aquela grana da CPMF? Nenhum também. A razão é que a responsabilidade pela construção de hospitais é dos governos estaduais. A responsabilidade do governo federal na saúde se limita à elaboração de normas e planos desenvolvimento para o setor, além do repasse de verbas para os governos estaduais e municipais construíres hospitais, equipa-los, comprarem materiais, remédios, etc. Comparar uma gestão do governo estadual com outra do governo federal é tratá-los como dois governos paralelos e concorrentes em um mesmo país, e não como duas esferas de um mesmo governo, que deveria dividir responsabilidades e trabalhar de maneira integrada.

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