terça-feira, 5 de outubro de 2010

O brasileiro: um homem cordial.

Sérgio Buarque de Holanda publicou Raízes do Brasil em 1936. Um conceito central deste livro é o de que o brasileiro é um homem cordial, não no sentido de "cordiais saudações", como Sérgio sempre esclareceu ao longo de sua vida, mas no sentido etmológico do termo: cordial vem do latim "cor", que significa "coração". Portanto, afirmar que somos cordiais quer dizer que preferimos seguir as paixões à razão. Uma frase de Alcântara Machado nos diz muito sobre este homem: "muitas vezes um cidadão que discorda de outro se sente na obrigação de manifestar publicamente a sua discordância. Mas se lembra de que é compadre do tal e fica tudo em família".

Um dos mais graves efeitos negativos da cordialidade é a confusão entre o ambiente público e o privado. Vejam, por exemplo, os deputados que nomeiam seus parentes para cargos de confiança: estes cargos são importantíssimos e devem ser ocupados por especialistas que irão auxiliar o parlamentar no exercício do mandato. No entanto são, muitas vezes, ocupados por pessoas despreparadas e o resultado disso é que a secretaria da câmara devolve mais da metade dos projetos de lei para serem refeitos por não estarem em condições de ser apresentados para votação. Em muitos casos, o problema é que o projeto é inconstitucional. Ou seja: quem o redigiu sequer conhece a constituição.

Portanto, quem é o homem público cordial? Aquele que usa seu poder em defesa de seus próprios interesses. Não é o que estamos cansados de ver? O político é dono de uma fazenda. Constrói estrada, distrito industrial, ferrovia etc. ao redor dela e, após o fim do mandato, a revende por um preço bem mais alto. Além disso, a apropriação do patrimônio público para uso pessoal é corriqueira.

E nós, que não exercemos nenhum cargo público, mas somos cordiais, o que fazemos? Condenamos as ações dos políticos mas executamos a mesma lógica no dia-a-dia. Quando compramos mercadoria contrabandeada, por exemplo, estamos deixando de pagar imposto sobre ela, algo equivalente aos desvios de dinheiro público por parte dos políticos. Talvez isto explique porque a impunidade aos corruptos é tolerada por seus colegas e pelo eleitorado.

Essa camaradagem do homem cordial, que cria simpatia por um político e passa a defendê-lo como se fosse seu compadre, esvazia o sentido da democracia: não podemos deixar de observar as falhas dos candidatos nos quais pretendemos votar nem deixar de reconhecer os méritos de seus adversários. Se eu prefiro Dilma a Serra, não é por enxergar somente virtudes na primeira e defeitos no segundo. Ambos têm seus méritos e seus defeitos, mas minha balança pesa mais para um dos lados e pretendo usar este blog para expor minhas razões.

Novamente, precisamos repensar: é esse o país que queremos, onde a camaradagem está acima da lei? Se não é, precisamos repensar nossa conduta e aprender que não podemos exigir dos outros uma "ficha limpa" que nós mesmos não temos. A cordialidade não é ruim, só precisamos trabalhá-la de modo a reduzir seus efeitos indesejados.  Política não é futebol para torcermos para um candidato e, caso ele perca, torcermos para o país ir para o buraco. Independente de quem está no poder, continuamos sendo cidadãos. Quanta gente há por aí que fica brava quando se divulga algum dado que comprova que o país melhorou em alguma área? Se melhorou temos que ficar contentes, e não tristes. A lógica é cruel: "acontece que o meu candidato-compadre perdeu a eleição, então torço contra o avanço do país, do qual eu mesmo me beneficiaria".

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